Análise de reportagem da entrevista de Agnelo

Agnelo

AgneloPor Fernanda Oliveira

Ex-governador Agnelo Queiroz afirma que houve erros gravíssimos na auditoria que aponta a existência de rombo deixado pelo seu governo.

Dentre as afirmações do ex-governador em entrevista concedida a um jornal local de Brasília, ele diz que em 30 de janeiro de 2015, o Relatório de Gestão Fiscal, que demonstra a disponibilidade financeira do governo, demonstrou a existência de R$ 917 milhões em caixa, enquanto havia R$ 828 milhões comprometidos com despesas empenhadas em 2014. Isso significa, na prática, segundo ele, que seu governo deixou saldo financeiro de R$ 70 milhões.

Além disso, Agnelo afirma que ainda entraram no caixa do GDF em janeiro cerca de R$ 283 milhões em receitas de 2014, as quais ele intitulou de receitas de transição. Analisando o mencionado relatório, que foi publicado no Diário Oficial de 30 de janeiro de 2015, em edição extra, a partir da página 19, podemos chegar a algumas conclusões, que passo a enumerar:

 O limite Prudencial de Gastos foi Alcançado?

O limite prudencial com gastos de pessoal, fixado em 46,55% da receita corrente líquida (art. 22 § único LRF), fixada em R$ 17.504.269.623,87, no ano de 2014, foi ultrapassado e atingiu o percentual de 46,93%. Os gastos foram da ordem de R$ 8.214.372.851,28. Desse total, R$ 7.473.657,78 ficaram inscritas em restos a pagar não processados.

No entanto, havia outras despesas não computadas, pois a folha de pagamentos de dezembro de 2014, foi paga com recursos de 2015, como sempre ocorreu no DF.

Dessa forma, não se pode dizer que o relatório está fidedigno, pois as despesas até dezembro não foram consolidadas nesse relatório, haja vista que muitos desses pagamentos foram até mesmo parcelados pelo governo atual.

Uma apresentação publicada pela SEGAD/DF em 30 de janeiro deste ano, após a publicação desse mesmo relatório de gestão fiscal, disponível na página do GDF, informa a existência de R$ 2.177.387.574,00 em pendência com a folha de pagamento das Secretaria de Educação, Saúde, INSS, consignações e pagamentos de precatórios, chegando a cifras superiores a três bilhões, quando contabilizados os restos a pagar não processados. De cara, sem muita conversa, já fica explicado o rombo anunciado, basicamente com despesas de pessoal.

Há ainda outras despesas, que naquela época ainda não haviam sido consolidadas, que são as despesas com os fornecedores de bens e serviços. No entanto, as regras orçamentárias são claras. Não pode haver despesa sem prévio empenho. Logo, se conclui que podem ter ocorrido duas hipóteses: a primeira, e menos provável, que as despesas tenham sido contraídas sem o devido emprenho. Pouco provável que tenha ocorrido, haja vista que o Governo do DF realiza a sua execução orçamentária e financeira por meio de sistema informatizado. Segunda hipótese e mais provável, é a de que esses empenhos tenham sido realizados e, na data do dia 31/12/2014, cancelados antes do pagamento, pois não havia recursos financeiros disponíveis. Assim, não ficam computados como dívidas no Sistema Integrado de Gestão Governamental – SIGGO. É essa, inclusive, a reclamação dos empresários e fornecedores que prestam serviços ao governo.

A Nota de Empenho é uma espécie de “cheque”, apenas para falarmos em linguagem acessível. Esse documento é uma prova de que o governo assumiu uma dívida. Como o governo não pode pagar despesas antecipadamente, o fornecedor recebe esse empenho, presta o serviço ou entrega o bem e só depois recebe o pagamento.

As consignações Não foram pagas em dia

Sobre o pagamento de consignações, é preciso observar a possibilidade de que fossem devidos valores ao Banco Regional de Brasília – BRB, o que configura por si só crime de responsabilidade fiscal, caso se confirme, pois a falta de repasse do dinheiro ao banco configura um empréstimo, que, inadimplido, representa prejuízo ao erário, além do que, a lei de responsabilidade não permite que bancos públicos emprestem dinheiro a entes também públicos para cobrir despesas de custeio, ou despesas correntes. Apenas poderiam, em casos específicos, financiar investimentos.

Em acréscimo, é preciso salientar que especificamente no ano de 2014, o governo não poderia contratar empréstimos, pois se tratava de ano eleitoral e a Lei de Responsabilidade Fiscal veda a contratação de empréstimos no último quadrimestre do governo.

Sobre a disponibilidade de Caixa

Quanto à disponibilidade de caixa, de fato a disponibilidade bruta foi de R$ 917.773.286,73 em 31/12/2014, mas havia compromissos da ordem de R$ 933.023.893,39, a serem pagos, o que resultou em um déficit financeiro da ordem de R$ 15.250.606,66.

Quando o ex-governador aponta que deixou em caixa uma disponibilidade de R$ 70.000.000,00 ele se refere ao total geral do governo do Distrito Federal, o que inclui a disponibilidade financeira da Câmara Legislativa do DF, que foi positiva em R$ 86.123.984,49.

Assim, esse dado é, na verdade, uma distorção, pois compara dados do executivo com dados gerais que somam a disponibilidade de caixa do poder executivo e do poder legislativo. Nada além de uma manipulação dos dados, para que sejam lidos em seu benefício, pois o Governador não presta contas sobre os gastos do Poder Legislativo, que tem autonomia financeira.

O relatório demonstra ainda, um déficit de recursos financeiros do Tesouro do Distrito Federal, da ordem de R$ 178.755.359,99. Ou seja, em 31/12/2014, a conta única do Tesouro do DF estava negativa em quase duzentos milhões de reais. Havia ainda, compromissos financeiros a serem pagos da ordem de R$ 362.673.054,72, o que significa, na prática, um déficit da ordem de R$ 541.428.414,26. Alegoricamente, o GDF devia o cheque especial e ainda tinha várias dívidas na praça.

Não se poderia utilizar a disponibilidade de caixa de R$ 500 milhões das contas vinculadas, ou seja, o dinheiro carimbado não pode pagar qualquer despesa, não pode cobrir o déficit de caixa do Governo local.

São contas correntes diferentes, embora componham um único orçamento. De mo do que, o relatório de gestão fiscal já demonstra um rombo, de no mínimo R$ 540 milhões de reais.

A auditoria utilizou dados maquiados?

Como o ex-governador Agnelo afirma que os dados da auditoria não foram obtidos pelo próprio TCDF, mas colhidos junto ao governo, levanta-se, com isso, uma dúvida sobre o relatório de gestão publicado.

No entanto, os dados constantes do Diário Oficial e que foram aqui analisados, foram extraídos do SIGGO, única fonte de dados orçamentários e financeiros oficiais do Governo do Distrito Federal. É o que consta da publicação oficial.

O governo atual não está a salvo

Agnelo também tocou em um ponto importante, que é o da tentativa do governo atual, muito impopular, inclusive, de retirar benefícios dos servidores públicos, ao mesmo tempo em que anunciava um pacote de obras de quase R$ 6 bilhões de reais.

Neste ponto, uma informação importante é dada pelo ex-governador: Todos os anos, a partir do segundo semestre, é comum a realização de remanejamentos orçamentários para honrar os compromissos com a folha salarial, pois, coeteris paribus (tudo o mais, constante), os recursos sempre serão escassos e as necessidades infinitas. Este é um princípio fundamental da economia e é normal que os recursos que não foram utilizados sejam destinados às áreas com mais necessidade.

O funcionalismo inchado, que consome 80% dos recursos disponíveis do Estado, certamente não é uma situação ideal, mas não é mérito exclusivo do ex-governador. Além de Brasília ser uma região sui generis, há um problema relativo à gestão nesse país. Um patrimonialismo e um coronelismo evidente e sem disfarces toma conta da política e influencia em tudo. Aí nós precisaríamos de uma mudança na cultura, o que, pessoalmente, acredito que já tenha se iniciado, mas não será uma conquista imediata, pois envolve as expectativas coletivas da nossa Nação.

Em meio à crise, que não é só em âmbito distrital, encontramos um governo que contrata uma instituição para oferecer cursos para secretários de Estado ao custo de R$ 1.000.000,00, entre outros gastos que se pode considerar como supérfluos, basta verificar o diário oficial, o que também não condiz com o cenário presente.

Encontramos um governo que decide investir R$ 40 milhões de reais na construção do Bloco II do Hospital da Criança, que é uma excelente iniciativa, por óbvio, mas não condiz com a realidade de crise diariamente noticiada e isso causa uma impressão muito ruim na população, que não está tendo acesso a serviços básicos, nos hospitais regionais.

Dessa forma, com rombo ou sem rombo, a minha crença é a de que o Governo atual, bem intencionado ou não, tem feito escolhas equivocadas, que soam como desvalorização do servidor, além de pouco democráticas, pois que permitem que políticas importantes de promoção do bem estar da população sejam realizadas.

O diálogo fraco, escorado em problemas do passado também não tem sido bem aceito e, diante disso, é conveniente afirmar, que falta liderança no Distrito Federal, capaz de oferecer segurança jurídica e a crença em ações planejadas como tanto preceituou este governo antes de tomar posse.

Da Redação do Portal ABBP